1 de junho de 2014

O ouro de Viana


“Em forma de estilizados cachos de uvas, bailam nas orelhas das mulheres minhotas as arrecadas, sendo célebres as jóias da Vianesa, não só aprisionando nas formas do ouro as mil aventuras do engenho lírico e lúdico das gentes do Minho, mas também todo um universo de sortilégios vindos de outros povos e outros tempos.
Não é a exuberância de adornos exclusiva das Vianesas, mas as peças de ourivesaria popular de Viana incorporam nas suas formas os estigmas dos amuletos, as crenças e as heranças míticas tradicionais do Minho.


A fertilidade, as benesses relacionados com os fluxos migratórios dos animais e o exorcismo de espíritos maléficos são algumas da “virtudes” intrínsecas desses objectos de adorno, cujo uso tradicional não comporta a exagerada carga de peças de ourivesaria com que enfeitam amiúde os trajes festivos das galas minhotas.
Em determinadas solenidades, as mulheres de Viana, usam os brincos ou arrecadas, três cordões ao pescoço, um trancelim, um colar de contas, uma custódia, uma laça e passando acima dum certo escalão económico, exibem ainda a sua bela gramalheira.
A etnografia e as conclusões das análises aos usos e aos costumes da região parecem despir também algum exagero as palavras escritas por D. António da Costa, no século passado, a propósito da Minhota:

“As jóias são o seu dote e o seu dote trá-lo vaidosa sobre o cofre onde guarda a sua melhor jóia - o coração. E os rapazes casadoiros, antes de tomarem o peso do coração da moça, podem tomá-lo ao dote, uma olhadela ao exterior do cofre...” O escritor que viveu de 1824 a 1892, prossegue, generalizando as suas opiniões sobre as mulheres do Minho: “São os mostradores dos ourives exposições curiosas. O peito da Minhota um céu estrelado. Frilhões de todos os feitios, corações de ouro lavrado, excedendo o palmo, florões (...), arrecadas...”
Tempos houve em que o ouro foi, a um tempo, sustentáculo da crendice e pecúlio funerário. Mergulhavam-se peças de ouro na água do primeiro banho dos recém-nascidos para que a fortuna os bafejasse: o “botão”, com incisões amuléticas de símbolos astrais, era o primeiro objecto de outro que a madrinha de baptismo dava ao bebé. É que, por mazelas de nascimento ou faltas de cuidados médicos, podia mirra-se-lhe a vida e morrer. Nesse último caso, vendia-se a o “botão” para a compra da mortalha.
Vingando a criança, a mãe ia trocando essa jóia por outros “botões” idênticos, de dimensões maiores, à medida que os fossem passando. No caso de ser menina, chegar-se-ia ao dia de lhe trocarem os “botões” por argolas que, como escreveu Abel Salazar nas “Recordações do Minho Arcaico” (1939), “atormentavam os seus sonhos de moça com orelhas nuas”.

Quer o capricho de um gosto que o vulgarmente conhecido “ouro de Viana” não seja fabricado em Viana do Castelo, onde não há oficinas de ourives especializadas nessa fabricação.
As peças provêm sobretudo de Travaços e Sobradelo da Goma (Póvoa de Lanhoso). mormente as “contas”, as filigranas es argolas de requife, fabricadas, como já referimos, segundo técnicas introduzidas na Península Ibérica pelos Fenícios, a partir do séc. VII a.C. Ali se localiza o verdadeiro berço da ourivesaria portuguesa, cuja arte se transmitiu para Gondomar.


Os ourives deste concelho viram-se também na obrigação de ajustar a oferta dos seus produtos aos ditames da procura do ouro vianês, cuja selecção, estilo e características continuam a ser impostas por um gosto que a gente de Viana do Castelo, adquiriu em tempos remotos e continua a manter.”

Retirado de: "Ouro Popular Português"

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