16 de maio de 2014

Japão e os truques de velha raposa

O Japão é um país onde se pode provar um prato delicadíssimo, requintado e no mínimo arriscado. O Fugu é um peixe, que tem umas glândulas entre a pele e a carne que contém um liquido extremamente venenoso. Um corte menos cuidado pode levar a que algumas gotas desse liquido entrem em contacto com a pele e levam á morte imediata de quem o provar.
Os japoneses afirmam que sabe a "peixe normal cru" e que morrem umas cinquenta pessoas ao ano, quase todas estrangeiras. No entanto não é isso que afasta milhares de japoneses a pagarem uma fortuna para se sentarem á mesa para provar esta roleta russa culinária.
Outra curiosidade do país nipónico são os pintores de paredes. O Financial Times, há uns tempos, dava conta de que muitas empresas sobre-dimensionadas em vez de re-estruturar os quadros, os trabalhadores, pintavam a mesma parede uma e outra vez. John Maynard Keynes, mencionava que uma das formas de manter a actividade económica é fazer buracos para depois tapa-los.



O Japão é fantástico, tem uma economia magnífica e uma cultura de inovação, trabalho incansável, esforço e sacrifício valiosíssima. É o país onde fazer greve significa trabalhar ainda mais. É uma desonra que a empresa não tenha sucesso. Ryuichi Sakamoto, compositor musical, comentava que "O governo refere-se sem parar ao seu desejo de defender o bem estar da população. Mas a população não tem a possibilidade de verificar se é isso é verdade ou não."
É esta fé cega e o sacrificio que estão incutidos na cultura japonesa que me parecem estar a levar o Japão para o abismo financeiro.
O desenvolvimento económico do Japão deu-se graças à abertura, liberalização e a necessidade de competir com países muito avançados como os Estados Unidos ou o Reino Unido. E conseguiram-no com muito esforço, mostrando que não é só com tecnologia que se consegue ser uma superpotência económica. É com trabalho, competitividade e principalmente poupança.

Os japoneses a poupar são espectaculares. O endividamento e o gasto supérfluo são considerados uma desonra. Excepto o Estado. Com a desculpa do "Estado do bem estar" o Japão encaminha-se para uma dívida de 245% sobre o PIB. A dívida soberana supera 24 vezes a receita fiscal. Comparando,  a dívida europeia é 6 vezes superior às receitas.
O país foi deixado na mão de intervencionistas que criou uma rede de interesses especiais, ou seja clientelismo que converteu o Japão numa experiência neo-Keynesiana que faria o próprio Keynes "dar voltas na tumba" porque só se interessa em manter um Estado inútil e ineficaz.
Em 2013, depois de duas décadas de estagnação o primeiro ministro Shinzo Abe decidiu dobrar a aposta e repetir a receita. Tendo como base um provérbio nacional "Três flechas não se podem partir" apresentou um plano, o Abenomics, que se assenta em 3 "flechas":


  • Expansão monetária. Numa década pretende duplicar a moeda em circulação a taxas de juro de quase 0%. Pretende com isto que que se deixe de poupar e que se gaste, fazendo subir a inflação para 2%.
  • Gastos públicos e políticas fiscais que estimulem a procura interna. Um plano de obras públicas que inclui reconstruir a rede ferroviária que não é reformada desde os anos 50 e incentivos fiscais para empresas que apostem em pesquisa e desenvolvimento, contratem novos trabalhadores e aumentem os salários.
  • Políticas de crescimento sustentável. Para isso o governo contratou um grupo de especialistas que proponha ao governo medidas a tomar.
As medidas, que foram anunciadas uma a uma, foram-se tornando cada vez mais vagas. A 1ª foi bastante explicita nas intenções, a 2ª ainda dá para perceber e a 3ª é totalmente vazia.
A primeira, imprimir é um ataque a quem poupa, fazendo com que o seu dinheiro valha cada vez menos pela desvalorização e que gere cada vez menos rentabilidade já que as taxas de juro estão próximas ao zero.
A segunda está mais sujeita a interpretações, procuram justificar a enorme intervenção estatal na economia, que foi o que levou à perda de competitividade, que agora pretendem aumentar.
E a terceira é como escrever uma carta ao Pai Natal, tu escreve e logo se vê. Ao apostar pela intervenção em vez de um plano de liberalização, de cortes de gastos e de dinamização, o Japão está condenado ao fracasso. 
O plano Abenomics é como cobrir uma malagueta com chocolate, quando a mordes o sabor picante está lá.

Os primeiros elogios ao plano vieram no primeiro trimestre de 2013, quando a economia cresceu 1%. Esquecendo que a economia japonesa é cíclica e que no ano anterior também tinha havido um crescimento sem estímulos monetários. O investimento produtivo continua nos mínimos de 2012. Novos aplausos quando as exportações subiram 11%, levando o défice comercial a máximos históricos.
Imprimir moeda só retira o dinheiro a quem poupa para manter sectores endividados e pouco competitivos que fazem com que os seus produtos sejam artificialmente baratos. Não se melhora o processo produtivo, não se reduzem custos, só se desvaloriza o Yen fazendo a quem compre produtos japoneses em dólares ou euros se tornem mais baratos e atractivos. Um êxito até que o efeito placebo passa e a concorrência lança um produto mais atractivo. Baixar preços não ajudou a Sony a competir com a Apple ou a Samsung.

Os defensores desta política encontram-se com dois problemas: a evidência do fracasso das duas últimas décadas e, sobretudo, se o resto dos países se lançam nesta política de desvalorizar, os efeitos serão devastadores. Mas de qualquer das formas, a experiência é paga pelos contribuintes.

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