7 de julho de 2009

A tentativa de demarcação


Ao ver a transmissão em directo da chegada de Ronaldo ao estádio do Real Madrid pudemos aprofundar o receio de que as sociedades avançadas estão empenhadamente a caminho da imbecilização. A veneração dos ídolos criada pelo marketing e pela devoção futebolística justifica tudo, até honras de directos que os revelam à saída do hotel, os mostram na simples qualidade de passageiros de um automóvel descapotável, os transformam em Deuses do novo Olimpo dos tempos modernos que são os estádios de futebol.

O dia de hoje é um manifesto da capacidade do Real Madrid em vender a sua imagem ao mundo, mas é também a prova de acefalia das televisões que vêem nesse negócio uma forma de lucrarem à custa da alarve disponibilidade das multidões para perderem minutos, horas, das suas vidas a seguir de perto qualquer banalidade quotidiana da vida de um ídolo.

Já ninguém pensa em remunerar com fama os cientistas, ou os músicos, até num país, como o nosso, que tem entre as suas poucas glórias o facto de eleger um poeta como símbolo do seu dia nacional. A vida não se faz apenas de altos desígnios, da grandeza da ciência ou da genialidade das artes. A vida faz-se também com paixões prosaicas como as que os grandes dribles ou remates de Ronaldo proporcionam. Mas uma coisa é exaltá-lo no seu palco, no relvado onde exprime o seu talento. Outra é pegar nesse talento para o transformar numa espécie de Deus vivo cujos gestos mais ínfimos têm de merecer a nossa atenção.

O que hoje se viu na multiplicação de directos de Ronaldo é o aproveitamento de um génio para chegar a uma criação artificial que rende audiências e, por causalidade, dinheiro. Muito dinheiro. Nada disto seria censurável se o peso do exagero não convertesse o desfile num episódio que suscita asco e lamento.

Ronaldo não tem culpa, nem o Real Madrid, ou, com alguma complacência, as televisões. Quem tem, afinal, culpa é a cultura dominante que cada vez mais relativiza o essencial e se deleita com a imbecilidade. Oitenta mil em Madrid para ver Ronaldo no Santiago Bernabéu e mais uns milhões a seguir pela TV o seu percurso até à sacralização? Pobre Espanha, pobres de nós.

A propósito desta crónica do jornal Público:
Fica sempre bem chamar imbecil e fanático a quem gosta de futebol, mesmo sendo isto uma operação de marketing e de charme. Aqui o importante é a liberdade individual e se alguém é capaz de estar horas ao sol só para assistir à quem faça o mesmo para assistir a concertos de qualidade duvidosa. Mas fica sempre bem dizer mal de quem está hipnotizado pelos media e pelo futebol e demarcar-se com uma postura elitista (só faltou dizer que depois do artigo ia assistir a um concerto de violinos de Bach, porque isso sim é alta cultura). Enfim, isto é o jornalismo que temos em Portugal, os que transmitem exageradamente imagens do Ronaldo (que ontem penso que se justificou, dado a importância desta operação de marketing.
Convençam-se que não há alta cultura, nem baixa cultura. Existe sim o gosto individual e se alguém gosta de assistir a isto não tem que ser chamado de idiota ou imbecil. A TV tem um botão para desligar (para os que foram obrigados a assistir)

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