20 de novembro de 2014

Surfando no caos

Verão de 1960

Cuernavaca, México

[...] Na semana seguinte, Gerhart telefonou da Cidade do México. Ele havia encontrado uma curandera na vila de São Pedro, perto do vulcão de Toluca. Longe do tumulto do mercado, à sombra de uma igreja, Juana tinha lhe mostrado um saco de cogumelos. Quando ele perguntou se não eram perigosos, ela colocou dois deles na boca. Ele levou os cogumelos para casa e lavou-os com água fria. Os cogumelos estavam repousando na prateleira do meio de sua geladeira.- Te vejo no sábado - eu disse.Gerhart chegou ao meio dia. Vieram com ele sua namorada Joan, sua filha Mandy e Betty, uma especialista em língua inglesa de Berkeley, que escrevia poesia, contava piadas malucas e jogava bola com os garotos.


Gerhart tinha conversado com alguns botânicos da Universidade do México. Enquanto esperava os cogumelos, contava o que tinha aprendido: usado pelos astecas, os cogumelos mágicos foram banidos pela igreja católica com tanto rigor que levou os botânicos modernos a rejeitarem a existência de tais espécies. Retirados da história até a década passada, esses cogumelos foram redescobertos pelos botânicos Weitlinger e Schultes e pelos micologistas amadores Valentina e Gordon Wasson. Até o momento, apenas alguns cientistas, poetas e intelectuais tinham experimentado os cogumelos em busca de experiências místicas. Acreditava-se que produziam visões extraordinárias.
Gerhart arrumou os fungos em duas tigelas sobre uma mesa que ficava embaixo de um enorme guarda-sol. Disse que cada um de nós deveria comer seis, e que o efeito começaria em uma hora. Então, ele pegou um cogumelo enorme, preto e embolorado, fez uma careta e o mastigou. Seu "gogó" descia e subia à medida que o cogumelo era engolido.


Escolhi um, ele fedia. O cheiro era igual ao de um tronco de árvore podre ou de certos porões da Nova Inglaterra, e o gosto era pior que a aparência. Amargo, borrachento. Tomei um trago de Carta Blanca, enfiei o resto na boca e engoli tudo.


Todos estavam atentos ao próprio estômago, esperando os primeiros sintomas de envenenamento. Cinco de nós fomos nos sentar no terraço ensolarado, vestindo calções de banho, para esperar o efeito. Esperávamos e perguntávamos um ao outro: "Quantos você comeu? Está sentindo alguma coisa?Duas pessoas não comeram. Uma delas foi Ruth Dettering, que estava grávida e era formada em enfermagem, de maneira que eu fiquei feliz em tê-la como observadora. O outro que se absteve foi Bruce, alegando que tinha ataques nervosos e estava com medo de ter alguma reação. Ele estava de calção de banho sobre cuecas floridas, meias pretas com prendedor verde, sapatos de couro e roupão de seda. Logo, nós o designamos cientista oficial responsável por anotar detalhadamente todas as reações do grupo.
Comecei a me sentir estranho, como se tivesse tomado uma anestesia de dentista. Uma leve náusea. Distante, cada vez mais distante das pessoas de calção de banho em um terraço sob o brilhante sol mexicano. Tudo irradiava vida, mesmo os objetos inanimados.Deterring disse que sentia a mesma coisa.


Bruce mantinha-se ocupado escrevendo, com seus ombros magros debruçados sobre o bloco de notas, como um psicanalista vienense. O cientista! No entanto, ele não tinha a menor idéia do que estava presenciando e essa descoberta profissional me pareceu imensamente divertida. Risadas e mais risadas. Eu não consegui parar de rir.Todos olhavam para mim espantados. A admiração deles aumentava minha vontade de rir. Bruce olhava com a língua mexendo no meio da vasta barba.


Eu ri novamente da minha pompa diária, da arrogância tacanha dos acadêmicos, da presunção do racionalismo, da impotência asseada das palavras em contraposição à riqueza bruta e dinâmica dos panoramas que inundavam meu cérebro. Dettering me acompanhou, observando.- Você percebe, Dick, como nossas mentes são pequenas?Ele fez que sim. Ótimo, ele percebia. E começou a rir.Cedi ao prazer da mesma maneira que os místicos fizeram por séculos, quando olhavam pelas cortinas e descobriram que este mundo - tão obviamente real - era na verdade um pequeno palco construído pela mente. Havia um mundo de possibilidades lá fora (lá dentro?), outras realidades, uma série infinita de programas para outros futuros.Voltando ao terraço. Opa! O meu andar transformara-se em um arrastar-se com pernas de borracha. A sala parecia estar preenchida com um líquido invisível. Flutuei até a poeta Betty. Sua face clássica desabrochou como um girassol. Ela estava em algum ponto do êxtase. Lá está Ruth Dettering em pé, ao lado da porta. Nadei até ela.- Olhe Ruth - falei, e minha voz me pareceu surpreendentemente normal -, estes cogumelos são mais fortes do que eu esperava. Acho que você deveria mandar as crianças para o cinema e dar folga à empregada. Fique por perto e de olhos abertos.
Depois disso, entrei no departamento óptico da imaginação. Palácios do Nilo, templos hindus, bordéis babilônicos, tendas dos prazeres beduínas, pedras preciosas cintilantes, trajes de seda esvoaçantes com cores esfuziantes, mosaicos flamejantes de esmeraldas de Muzo, rubis da Birmânia, safiras do Ceilão. Aí vieram aquelas serpentes feitas de jóias, os répteis mouros deslizando, enrolando-se, sugados por um orifício bem no meio da minha retina.


Em seguida, o tópico da viajem mudou para a evolução, garantida a todos que haviam embarcado nessa jornada pelo cérebro. Vou, pelo túnel do tempo, para as antigas salas de projeção centrais do cérebro: a era das serpentes, a era dos peixes, a era das florestas de palmeiras gigantes, a era das samambaias verdes de flores rendadas.Observo calmamente a primeira criatura do mar rastejando para a praia, deito-me com ela, a areia raspando meu rosto, e depois flutuo no profundo oceano verde. Olá, eu sou o primeiro ser vivente.
A viajem durou pouco mais de quatro horas. Assim como quase todos que atravessam as cortinas, voltei um homem mudado.


São João da Cruz, Aldous Huxley, seu irmão mais novo, William Blake, John Lennon, Platão depois de Elêusis, Lucy in the sky with diamondse assim por diante - todos eles concordam quanto aos reinos extraordinários e inexplorados do cérebro.Todos nós ouvimos e lemos uma porção de histórias emocionantes de "viajantes', mas essa descoberta é, mesmo assim, uma surpresa gloriosa. Místicos voltam com relatos delirantes sobre níveis superiores de percepção, por meio dos quais uma pessoa vê realidades cem vezes mais bonitas e significativas do que a tranquilizadora rotina familiar. Para a maioria das pessoas é um choque saber que o seu circuito de realidade quotidiana é apenas um entre as dezenas de circuitos que, quando acionados, são igualmente reais, pulsando com formas estranhas e sinais biológicos misteriosos. Aceleradas ou amplificadas, algumas dessas realidades alternativas podem ser microscópicas, riquíssimas em detalhes; outras, telescópicas.Visto que as drogas psicodélicas expõem-nos a níveis diferentes de percepção e experiência, usá-las significa entrar em uma aventura filosófica, obrigando-nos a confrontar a natureza da realidade com os nossos frágeis sistemas subjetivos de crenças. A diferença é a causa do riso, do terror. Nós descobrimos abruptamente que fomos programados todos esses anos, que tudo que aceitamos como sendo realidade é apenas uma construção social.Nesses 21 anos, desde o dia em que comi cogumelos em um jardim no México, venho dedicando a maior parte de meu tempo e energia à exploração e à classificação desses circuitos cerebrais e de suas implicações na evolução, no passado e no futuro. Em quatro horas, à beira da piscina em Cuernavaca, aprendi mais sobre a mente, o cérebro e suas estruturas do que nos quinze anos anteriores como psicólogo dedicado. []

Timothy Leary

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