12 de fevereiro de 2015

Entender os salários

O ano passado, os suíços decidiram rejeitar em referendo a proposta legislativa 1:12, ou seja, limitar os salários máximos de gestores para 12 vezes menos do que os salários dos seus empregados (de modo a que nenhum gerente ganhasse num mês, o que ganha o empregado pior pago num ano). Todos os cantões, incluindo aqueles que se inclinam mais para a esquerda, rejeitaram a ideia, mostrando mais uma vez que, em muitos casos, o povo suíço ainda não sucumbiu ao caminho do votante irracional.
Certamente, haverá quem, em vez de estar feliz pelo resultado, limitar-se-ão a invejar o povo suíço que pode votar em tais assuntos, mesmo que seja apenas para, em seguida, recusá-las. Da minha parte, não tenho o menor entusiasmo para delegar à vontade popular, questões como a liberdade dos cidadãos, mesmo que seja uma minoria invejável (gestores pagos). Imagino que alguns, no entanto, acharão exagerado o povo suíço poder votar sobre o futuro de gestores de empresas ou proibir algum sindicato: caso em que a reacção idêntica deve sentir-se sobre como limitar a livre negociação de um contrato é da exclusiva competência das partes contratantes; o facto de que não se vai restringir nossa liberdade não deve dar carta branca para aplaudir estes constrangimentos. Especialmente quando a ideia do salário máximo é não só questionável por razões éticas, mas também porque é um absurdo económico que tende a empobrecer toda a sociedade.

Porque é que existe a desigualdade salarial?

No seu não muito brilhante livro "The Economics of a Common Good", o economista Christian Felber ficou escandalizado pelo facto dum director executivo poder cobrar muito mais do que o seu jardineiro. Qual é o trabalho mais útil para a sociedade? O trabalho feito pelo primeiro ou pelo segundo? A capacidade de gerar ou destruir riqueza de um director executivo é infinitamente superior à de um jardineiro. Basicamente porque o director executivo é responsável por determinar a quantidade de tempo que centenas ou milhares de trabalhadores dedicam a determinadas tarefas. Se o executivo erra, desperdiça recursos que envolvem centenas ou milhares de pessoas que estão envolvidos na produção de bens que não devem ser produzidos. No entanto se um jardineiro erra, a responsabilidade social é muito menor.
Muitos argumentam, de facto, que a última crise económica foi causada por decisões erradas e imprudentes de uma quadrilha de directores executivos. Ainda que a responsabilidade final seja dos bancos centrais, vamos analisar esta tese: será que o poder coordenador (e, portanto, o poder descoordenador) dessas pessoas não é infinitamente superior ao de um jardineiro? Não fará sentido, então, que o salário deles seja muito mais alto para fazerem as coisas direito (e que percam quase tudo se fizerem as coisas mal, por exemplo, quando o seu salário é recebido na forma de acções da empresa)?
Claro que sim, porque os gerentes de uma empresa são os trabalhadores contratados pelos proprietários (accionistas) da empresa. Por que é que acha que os acionistas estão dispostos a pagar salários e bónus supostamente desnecessários aos gestores? Por pura filantropia? Não, se o salário é alto é porque os acionistas não foram capazes de encontrar outros funcionários igualmente qualificados para o cargo de gestor e que estivessem dispostos a trabalhar por salários mais baixos. Se os houvessem, certamente que os accionistas iriam pagar salários mais baixos. Mas qualquer quadro de accionistas no pleno uso das suas capacidades prefere ter um custo adicional com salários altos do que colocar à frente da sua empresa um homem que não é suficientemente qualificado e você pode causar sérios danos à empresa.

E este é o problema fundamental dos salários máximos: o mercado de trabalhadores altamente qualificados é eliminado. Os accionistas não podem competir mais pelos melhores gestores no mercado através da oferta de atractivos monetários. Por isso, os melhores gestores acabam por não estar à frente das empresas que podem gerar mais riqueza, mas sim na frente daquelas onde eles se sentem mais confortáveis.
Imaginem dois tipos de empresas: a empresa A é uma multinacional com investimentos arriscados em meio mundo onde a posição de CEO é altamente stressante; A empresa B é uma grande empresa nacional com postura conservadora e onde o CEO meramente executa tarefas de representação institucional. A e B não podem pagar ao seu CEO mais de 12.000 euros por mês. Qual acha que seria a opção dos gestores mais brilhantes? Bem, em geral, a empresa B. A empresa A seria incapaz de contratar os melhores gestores do mundo (já que não poderia fazer concorrência à empresa B) e teria que contentar-se com pessoas com um perfil sem brilho. Quando o suposto seria que as mentes mais brilhantes ocupassem lugares na empresa A (onde a responsabilidade é maior) e não na B (onde apenas teriam que sorrir).

Noutras palavras, a menos que as empresas possam oferecer incentivos não monetários (opções de compra ou pagamento de habitação, carro, férias, comida ou roupas), o mercado de trabalhadores qualificados escolherá sempre a opção mais confortável, condenando a um empobrecimento e má utilização dos recursos. Mas se as empresas pudessem oferecer incentivos não monetários aos seus administradores, o salário máximo não seria mais que um regulamento absurdo sobre os gestores, que apenas não poderiam receber o salário em numerário.

E por que não aumentar o salário mínimo?

Claro que o objetivo dos salários máximos não seria apenas para baixar os salários dos gestores, mas sim aumentar os salários do pessoal não qualificado. Se uma empresa quer competir por uma excelente gestão, pode simplesmente oferecer um salário maior do que a concorrência, mas apenas quando suba os salários de toda a equipa. E aqui chegamos a outra falácia desta proposta draconiana: implicitamente assume-se que os trabalhadores não qualificados são mal remunerados porque alguns gestores "comem tudo e não deixam nada". Nada mais errado.
Suponha-se que numa empresa há dez gestores que cobram 12 milhões de euros etemos 100 mil trabalhadores que ganham um salário de 10 mil euros:  o salário mais alto é 1200 vezes maior do que o menor. Neste caso, existem duas possibilidades extremas para satisfazer a limitação 1:12. A primeira seria baixar salários gestores para 120000€; a segunda seria aumentar os salários do pessoal não qualificado para 1 milhão de euros. No primeiro caso, a empresa pouparia 118.8 milhões de euros que apenas daria para aumentar os salários dos trabalhadores de 10 mil euros para 11.880€. O segundo caso teria custos adicionais de ... 99 milhões; absurdo completo que levaria a empresa à falência.

Além disso, o custo de ambas as alternativas não é simétrico, de forma que a empresa apenas cortaria nos salários mais altos e não elevaria os mais baixo. Resultado final? Em troca de um pequeno aumento dos salários mais baixos da empresa, não se pode contratar os gestores mais qualificados que realmente precisa. Seria uma corrida para a bancarrota: quanto mais se desgaste a posição competitiva da empresa devido à má gestão, menores serão os lucros e, portanto, levaria inevitavelmente a uma redução dos salários que a empresa pode pagar, que por sua vez irá forçar novamente salários mais baixos da alta administração, o que levará os gestores medíocres a sair e só se contratará gestores ainda piores. Um ciclo vicioso  que acabaria afundando a empresa e, especialmente, pagando aos trabalhadores salários precários ou levando-os mesmo para o desemprego.

Juan Ramon Rallo

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